Após quase dois anos de polêmicas e negociações, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira a criação da Comissão Nacional da Verdade, que pretende esclarecer violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988.
Prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em dezembro de 2009, a comissão busca trazer à tona a "verdade histórica" sobre o período e "promover a reconciliação nacional".A BBC Brasil preparou uma série de perguntas e respostas sobre a comissão.
Quais serão as atribuições da Comissão da Verdade?
A comissão terá como finalidade "examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos" praticadas entre 1946 e 1988, "a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional".
Para isso, a comissão deverá analisar casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres, ainda que ocorridos no exterior. Também deverá identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos, assim como suas eventuais ramificações nos aparelhos estatais e na sociedade.
A comissão deverá ainda encaminhar aos órgãos públicos competentes todas as informações que possam auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais dos 140 desaparecidos políticos do período
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A Comissão terá o poder de punir ou recomendar que acusados de violações sejam punidos?
Não. Em abril de 2010, instado por ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Supremo Tribunal Federal decidiu por sete votos a dois que a Lei da Anistia, de 1979, não deveria ser alterada para possibilitar a responsabilização penal dos indivíduos envolvidos em crimes como a tortura – ou como em ataques terroristas, no caso dos adeptos da luta armada.
Quais foram as mudanças na comissão aprovada em relação à proposta anterior, apresentada em 2010?
A proposta anterior fazia menção à "repressão política", expressão retirada do novo texto. Diferentemente da versão de 2010, a atual prevê o "exame" (e não mais a "apuração") de violações aos direitos humanos.
O período analisado pela comissão também foi alterado: em vez de englobar apenas o regime militar (1964-1985), o grupo tratará dos fatos ocorridos entre 1946 e 1988.
Quem integrará a comissão?
A comissão terá sete membros nomeados pela presidente Dilma Rousseff "de reconhecida idoneidade e conduta ética, identificados com a defesa da democracia e institucionalidade constitucional, bem como com o respeito aos direitos humanos".
Como a comissão atuará?
Os integrantes terão acesso a todos os arquivos do poder público sobre o período e poderão convocar vítimas ou acusados de violações para depoimentos, ainda que convocação não tenha caráter obrigatório.
Ao fim de dois anos, prazo de atuação do grupo, a comissão poderá publicar um relatório com seus principais achados.
O grupo não terá, todavia, a obrigação de divulgar tudo o que descobrir. Caso elabore uma lista com nomes de torturadores, por exemplo, a comissão pode optar por encaminhá-la somente à presidente e ao ministro da Defesa.
Quais as principais críticas à comissão?
Ativistas que defendem a investigação de crimes cometidos durante a ditadura afirmam que, sem o poder de punir, a comissão não colaborá para que se faça justiça.
Já alguns militares e policiais temem que o grupo não dê o devido peso aos crimes cometidos por organizações esquerdistas e se queixam por não terem representantes na comissão.
Eles ainda afirmam que os trabalhos podem "reabrir feridas" na sociedade brasileira.
Para alguns analistas, a comissão disporá de prazo muito curto (dois anos) e terá poucos integrantes para concluir seu trabalho de forma satisfatória.
O modelo já foi testado em outros países?
Sim. Segundo pesquisa de Simone Rodrigues Pinto, professora da Universidade de Brasília, desde 1974, mais de 20 comissões semelhantes foram criadas no mundo todo. Na África do Sul, a comissão ajudou a esclarecer violações de direitos humanos ocorridas sob o regime do apartheid.
Também foram instaladas comissões em nações sul-americanas como Argentina, Chile e Peru – nesses países, no entanto, alguns militares, policiais e até ex-presidentes foram presos após os trabalhos.
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